As recentes inovações na legislação de proteção da concorrência e a crescente atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade vêm desenhando novos contornos para a atuação de sindicatos patronais e associações de empresários no que diz respeito a assuntos relacionados a preços, custos, margens de lucro, entrada de novos concorrentes e diversos outros assuntos pertinentes a atuação de mercado dos seus associados.
Durante muitas décadas o país experimentou forte intervenção estatal na economia e os preços eram controlados diretamente pelo Estado. Basta lembrarmos o tabelamento de preços, que somente foi extinto no final dos anos 1990 e, para alguns setores econômicos, como é o caso dos combustíveis, apenas ao longo dos anos 2000. Essa cultura de intensa atuação estatal permitia que sindicatos e associações de empresários atuassem como porta-vozes das empresas por eles representadas junto ao Governo, especialmente nos momentos de revisão das tabelas de preços e tarifas estabelecidas pelo Estado. Naquele contexto, era natural que no âmbito de sindicatos patronais e associações de empresários fossem discutidos temas relativos aos preços praticados por seus associados, margens de lucro, regulamentações para o ingresso de novas empresas no mercado, ponto de equilíbrio dos negócios, etc., já que todos esses assuntos faziam parte da agenda das entidades associativas na sua interlocução com o Estado.
Ocorre que os tempos mudaram. A partir do início dos anos 2000 a grande maior parte dos setores empresariais passaram a atuar sob o regime de livre mercado, segundo o qual os preços devem ser formar de acordo com dinâmica interação entre oferta e demanda, em um sistema de preços que não deve sofrer intervenções externas, seja do Estado, seja dos próprios empresários e suas respectivas entidades representativas. No regime de livre mercado, os preços são livres e não podem ser determinados e sequer influenciados por meio da atuação de quaisquer agentes. O mercado é quem determinará os preços e as demais condições de oferta e demanda de bens e serviços.
Nesse novo cenário, a legislação de defesa da concorrência assume papel de alto relevo, pois serve à preservação da lógica de mercado, prevenindo e reprimindo a atuação de empresas, associações, sindicatos ou de quaisquer terceiros que possam prejudicar o normal funcionamento do regime de livre mercado. Essa transformação no modo de organização da economia implica a necessidade de mudanças na forma de atuação dos sindicatos e das associações de empresários. No novo paradigma, as entidades associativas de empresários já não têm mais o papel de estabelecer, sugerir ou influenciar a formação de preços ou de outras variáveis concorrenciais de seus associados. Tampouco lhes é permitido discutir preços, estratégias de mercado, margens de lucro ideais, regulação da oferta de produção, dentre outros assuntos concorrencialmente sensíveis. Isto porque, sindicatos e associações de empresários são capazes de influenciar, com o seu prestígio e poder de persuasão, os preços, as quantidades ofertadas, as margens de lucro e outras variáveis concorrenciais de seus associados, prejudicando, por consequência, o normal funcionamento do livre mercado.
O Cade possui sólida jurisprudência em relação aos limites à atuação de sindicatos e associações de empresários, inclusive em relação a entidades de classe profissional. Sindicatos de médicos, cooperativas de trabalho, associações de produtores de cimento, sindicatos de revendedores de combustíveis, associações profissionais, dentre várias outras têm sido frequentemente condenadas em multas altíssimas, com cifras que superam milhões de reais, por práticas restritivas da livre concorrência.
O Cade entende que tais entidades e associações não podem e não devem influenciar os preços e demais variáveis concorrenciais de seus associados, e tampouco podem construir barreiras ou impor dificuldades à entrada de novas empresas no mercado. Por exemplo: um sindicato não deve discutir com seus associados preços a serem praticados, margens de lucro ideais para a manutenção do negócio, criação de legislações ou normatizações que impeçam ou dificultem o ingresso de novas empresas no mercado, etc. Associações de empresários não podem incentivar um boicote a determinadas empresas (ainda que tais empresas estejam agindo de modo ilegal)[1], não podem promover dificuldades à constituição ou ao desenvolvimento de determinadas empresas, dentre outras práticas que possam limitar ou diminuir a competição.
Nos tempos atuais é urgente a mudança de paradigma na atuação das entidades representativas da classe empresarial. A antiga figura da entidade que interferia a todo momento no mercado para resguardar os interesses econômicos privados de seus representados, impondo tabelas, sugerindo preços, margens de lucro, barreiras à entrada de novos competidores, dentre outros meios para proteger a lucratividade de seus associados, deve ceder espaço à nova figura da entidade que desempenha papel ativo na formação intelectual, gerencial e profissional de seus associados, com foco na eficiência, na produtividade e na competitividade. Atuar em sentido contrário poderá custar muito caro não apenas à própria instituição e seus dirigentes, em razão das pesadíssimas multas aplicadas pelo Cade, como também à toda a economia nacional, em termos de perda de competitividade, de produtividade e de estagnação econômica. A competição é a mola mestra da economia de livre mercado. É preciso respeitá-la e preservá-la. Os tempos são outros
[1] Nesse caso, o caminho legalmente cabível seria comunicar as autoridades competentes sobre a atuação ilegal de determinada empresa, eventualmente até sob a alegação de possível concorrência desleal, mas jamais promover diretamente medidas para intimidar ou boicotar tal empresa.