Atualmente, a produção e a venda de combustíveis derivados de petróleo constituem algumas das atividades econômicas mais importantes do Brasil, seja pela grande arrecadação de tributos para o Estado, pela relevância que os combustíveis possuem na vida dos cidadãos ou pela grande quantidade de empregos que gera, movimentando a economia. Contudo, apesar de ser uma atividade considerada como sendo de utilidade pública, existem alguns pontos que a grande maioria das pessoas desconhece, razão pela qual merecem atenção especial.
A indústria do petróleo no Brasil é complexa e está dividida em dois segmentos com estruturas e características próprias, quais sejam, o upstream, que engloba a pesquisa, a prospecção, refino e transporte do gás natural e derivados de petróleo, bem como o mercado downstream, no qual estão inclusas as atividades de distribuição, revenda e o transportador-revendedor-retalhista (TRR), conforme imagem elucidativa[1]:

O elo inicial da cadeia é a prospecção, que corresponde à atividade de localização de poços, baseada na pesquisa geológica de bacias sedimentares e a avaliação da viabilidade econômica da exploração comercial dos locais onde constatou-se a existência de petróleo.A partir daí, caso seja confirmada a viabilidade da exploração de um referido poço ou campo, inicia-se a retirada do petróleo e do gás natural do subsolo. O produto extraído desses poços ou campos é direcionado para as refinarias, a fim de que sejam processados os seus subprodutos e ocorra o refino dessas substâncias. Nessa fase, ocorre a separação e transformação do petróleo nas diversas frações, correspondendo cada uma a um determinado derivado, desde os mais leves, como gás de refinaria, gás liquefeito de petróleo (GLP e nafta), até os mais pesados, bunker e óleo combustível, além de frações sólidas, como coque e resíduo asfáltico.
Logo depois, os produtos gerados pelo referido procedimento são encaminhados para a central petroquímica, que consiste em uma unidade de processamento de gás natural, nafta petroquímica e outros insumos, a qual produz matérias-primas para a indústria química.
A gasolina automotiva é obtida via destilação a vácuo da nafta, da qual é subproduto, e é inicialmente denominada gasolina A, que não se confunde com a gasolina C comercializada pelos revendedores de combustíveis. Isto porque, a gasolina C é formada após a adição, na gasolina A, de álcool etílico anidro combustível, nas proporções e especificações definidas pela legislação em vigor.
Os produtos obtidos por meio dessa fase são transportados para as distribuidoras, que os repassa aos revendedores (postos de combustível) ou os entrega aos transportadores revendedores retalhistas, que vendem diretamente para grandes consumidores, tais como as indústrias.
Já o gás natural é a porção do petróleo que existe na fase gasosa ou em solução no óleo, nas condições originais de reservatório, e que permanece no estado gasoso nas condições atmosféricas de pressão e temperatura.[2]
A cadeia produtiva desse produto é regida pela Lei nº 11.909/09 e apresenta similaridade com a cadeia produtiva do petróleo, diferenciando-se somente nas fases finais. O elo inicial é a pesquisa, seguida pela exploração e transporte do poço às unidades de consumo, realizado por meio de uma rede de gasodutos de capacidade e pressão variáveis, e que os encaminha para as distribuidoras, responsáveis pelo posterior repasse aos revendedores.
Por fim, há a cadeia produtiva do etanol, que possui origem diversa dos demais combustíveis comercializados pelos revendedores. O etanol utilizado como combustível automotivo que circula no mercado brasileiro é proveniente da cana-de-açúcar. Basicamente, a cadeia produtiva do etanol pode ser resumida em: plantio, colheita, acondicionamento, moagem e extração, fermentação e destilação[3].
No mercado upstream, a União possui o monopólio das atividades desde a Lei nº 2.004/53, que também criou a Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobrás. Atualmente o governo ainda detém o monopólio das atividades de pesquisa, prospecção, refino e transporte de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, conforme disposto no artigo 177 da Constituição da República:
Art. 177. Constituem monopólio da União:
I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;
V – a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal
Assim sendo, o único detentor dos direitos referentes à maioria das etapas do mercado upstream é a União Federal, por meio da Petróleo Brasileiro S/A – Petrobrás, sendo lícito a outras empresas realizarem as atividades de exploração e produção do petróleo desde a edição da Emenda Constitucional nº 09, que modificou a redação do artigo acima transcrito. Há que se ressaltar que nesse segmento do mercado os preços seguem a política do tabelamento, decorrente do monopólio estatal.
Em contrapartida, no mercado downstream a regulação de preços pelo governo vigorou até o início da década de 90. A partir daí, o conjunto das transformações ocorridas nos cenários doméstico e internacional, assim como a crise econômica e a queda no desempenho das empresas estatais levou à adoção, pelo governo, de uma postura econômica neoliberal. A referida medida levou a um processo de abertura da economia, que culminou na privatização de diversas empresas públicas e na liberalização de preços em alguns segmentos de mercado, dentre eles o da revenda de combustíveis.
Com a edição da Portaria Interministerial nº 294/1997, que liberou os preços da gasolina e do etanol e da Portaria Interministerial nº 240/2001, que liberou os preços do óleo diesel, os preços dos combustíveis passaram a ser determinados a exclusivo critério dos agentes que atuam nesse mercado.
Juntamente com tais modificações foi editada a Lei nº 9.478/1997, também chamada de Lei do Petróleo, que dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, que desde então atua como órgão regulador das atividades que integram a indústria do petróleo e gás natural e a dos biocombustíveis no Brasil, responsável pela execução da política nacional para o setor energético do petróleo, gás natural e biocombustíveis.[4]
A partir daí, passou a vigorar o regime de livre mercado, de maneira que a intervenção governamental na política de preços na cadeia downstream só deve ocorrer em casos excepcionais, como, por exemplo, na hipótese da ocorrência de ato ilícito.
Basicamente, o preço praticado pelo revendedor é composto pela parcela aferida pela Petrobras, o qual é tabelado, pelos tributos federais, tributos estaduais, o custo do etanol anidro, o preço praticado pela distribuidora e pelos diversos custos suportados pelos revendedores, conforme bem elucidado pela figura abaixo[5]:

Entretanto, apesar do mercado da revenda de combustíveis funcionar há alguns anos com o regime de livre mercado, a flexibilização após um período de tempo muito longo de forte regulação acabou gerando uma percepção equivocada acerca de diversas questões, sendo, inclusive, comumente reproduzidas algumas falácias comuns, tais como “nenhum posto pode apresentar preço igual ao de outro”, “o preço somente pode aumentar se os custos subirem”, “preços iguais são necessariamente fruto de cartel”, dentre outras.Portanto, um melhor entendimento acerca do funcionamento da atividade de produção e a venda de combustíveis derivados de petróleo ajuda não somente os agentes econômicos a compreenderem melhor o mercado em que atuam, mas também que tantos os órgãos de defesa da concorrência quanto as entidades de defesa do consumidor se conscientizem das peculiaridades inerentes a cada mercado para poder exercer suas funções com seriedade e justeza.
[2] Lei nº 9.478/97
[3] SOUZA, Vander Fillipe de. Análise da Cadeia Produtiva do Etanol e do Biodiesel. Disponível em http://repositorio.ufla.br/bitstream/1/4540/1/TCC_An%C3%A1lise%20da%20cadeia%20produtiva%20do%20etanol%20e%20do%20biodiesel. Acesso em 31/08/2015.
[4] http://www.anp.gov.br/?pg=70721&m=&t1=&t2=&t3=&t4=&ar=&ps=&1429105575714
[5] Imagem retirada do site http://www.anp.gov.br.