No último trimestre, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) reprovou duas operações de aquisição: caso Kroton-Estácio e caso Ipiranga-Alesat. Em ambos, o conselho considerou que os mercados das empresas envolvidas – educação superior e distribuição de combustíveis – são altamente concentrados e que as operações não trariam benefícios para a coletividade. Isso porque as concentrações de empresas podem reduzir a concorrência dentro de cada mercado e reduzir sua eficiência econômica.
Essas decisões indicam uma possível mudança na postura adotada pelo órgão nas duas últimas décadas. O Cade era mais flexível na análise de atos de concentração, viabilizando as operações por meio de acordos em controle de concentração (ACC) ou via de aplicação de remédios (medidas concretas que amenizassem os efeitos indesejáveis do ato). Contudo, aparentemente, está havendo uma mudança nessa forma de atuação.
Postura do Cade frente o caso Kroton-Estácio
Neste julgamento, o Tribunal deixou claro que a proposta de remédios deveria partir dos requerentes e não do Cade. Diferente de antes, o órgão incumbiu as empresas envolvidas de encontrarem e proporem soluções e mecanismos capazes de amenizar os efeitos econômicos da aquisição.
Caso Ipiranga-Alesat reforça mudança de postura
Neste caso, o órgão criticou a demora de apresentação dos remédios, que foi realizada pelas requerentes apenas três dias antes do julgamento final. Além disso, rejeitou a aquisição porque entendeu que as soluções apresentadas eram inviáveis para afastar os potenciais efeitos negativos ao mercado e que seriam de difícil monitoramento pelo Cade.
Caso Ultragaz-Liquigás em andamento
Outro caso de M&A em mercado altamente concentrado é a aquisição da Liquigás pela Ultragaz. Atualmente a Ultragaz é a maior distribuidora nacional de gás liquefeito de petróleo (GLP), também conhecido como gás de cozinha. Já a Liquigás, empresa do Grupo Petrobras, é a segunda maior do setor. Com a aquisição da Liquigás a Ultragaz passaria a deter mais de 50% do share de mercado em diversos municípios brasileiros.
O escritório Villamil Advogados representou neste caso a Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET) e expôs ao Cade tese contrária à aprovação do negócio, informando que além de se tratar de um mercado altamente concentrado, o oligopólio do setor de distribuição de GLP também configura um mercado consolidado e supracometitivo, ou seja, não apresenta grande nível de concorrência entre as distribuidoras. O Villamil Advogados defende que o crescimento artificial de empresas por meio de fusões e aquisições em mercados oligopolísticos não é o melhor modelo para o desenvolvimento econômico brasileiro. Melhor seria que as empresas de setores já concentrados crescessem por meio de processos naturais de maior competição por preços, inovações, pesquisa e desenvolvimento tecnológico e outros fatores e não simplesmente adquirindo concorrentes e os retirando do mercado, como ocorreu com bastante intensidade em diversos setores no Brasil nos últimos vinte anos.
Acolhendo argumentos levantados pela AEPET, recentemente a Superintendência-Geral impugnou a operação e recomendo ao Tribunal do Cade a reprovação da operação, novamente por entender que não há eficiências relevantes nesta aquisição e também porque não haveria remédios concorrenciais eficazes para mitigar os possíveis efeitos nocivos à livre concorrência. Nos próximos meses o Tribunal do Cade deverá analisar o caso em decisão final. Arthur Villamil avalia que há grandes chances de haver nova reprovação pelo Cade.
Como as empresas podem agir frente ao maior rigor do Cade
Tanto num caso, como no outro, transparece um maior rigor do Tribunal, que passou a exigir mais esforço dos requerentes no sentido de demonstrar os efeitos benéficos da operação (eficiências compensatórias) e de apresentar proposta de remédios viáveis e eficazes já no âmbito da Superintendência-Geral. Para se prepararem e, assim, conquistarem maior probabilidade de sucesso nas operações, as empresas podem:
- Dialogar: Estabelecer um diálogo mais intenso e transparente com a Superintendência-Geral, que é o primeiro órgão responsável pela análise do caso e que poderá aprovar o ato ou impugná-lo o remetendo ao Tribunal do Cade.
- Apresentar dados claros: Na apresentação à Superintendência, ser bastante claro, a fim de instaurar um diálogo produtivo com o órgão e minimizar a chance de uma impugnação dura da operação.
- Propor remédios no momento certo: Outra medida é não deixar para apresentar proposta de remédios apenas quando o caso já estiver no Tribunal. Isso porque uma boa negociação prévia dos remédios ou do ACC, ainda na Superintendência, pode evitar uma impugnação da operação e o caso talvez nem tenha de ir ao Tribunal.
- Dar transparência ao processo: Se o caso chegar ao Tribunal, as requerentes devem agir rapidamente para iniciar uma negociação franca e transparente com o Cade.
As recentes manifestações de reprovação de atos de concentração mostram que o maior rigor do Cade é possivelmente uma nova tendência. Frente a isso, as empresas que pretendam realizar estes processos devem se preparar e levantar junto a seus departamentos jurídicos novas estratégias para esse novo cenário.