Novos fatos, velhos problemas
Após um longo período de estagnação setorial, o setor da construção pesada agora enfrenta os efeitos adversos da pandemia de corona vírus. A realidade que se impõe ao empreiteiro, é, em muitas obras, de prejuízo e diminuição da lucratividade, os quais poderiam ser contornados com uma adequada gestão jurídica de conflitos no contrato de empreitada.
Com a abrupta alteração do cenário contratual, em decorrência de força maior (pandemia de corona vírus) e também por fatos do príncipe (normas estatais de fechamento de atividades econômicas e restrição de circulação de pessoas), os gestores de obras se deparam com novos fatos, nunca antes experimentados. No entanto, os problemas decorrentes desses fatos são velhos conhecidos de todos os que atuam na área da construção: obras paralisadas ou com ritmo de execução diminuído, introdução de novos requisitos de SESMT não previstos à época da contratação, atrasos e restrição de fornecedores, alterações de projetos e até mesmo cancelamento total ou parcial do escopo contratado. Tudo isso causa problemas de toda ordem para as partes contratantes, em especial aqueles decorrentes do desequilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Gestão de Contratos + Gestão Jurídica
Para manter a lucratividade esperada de suas obras, os empreiteiros vêm lançando mão cada vez mais da gestão jurídica dos contratos, uma vez que com isso os direitos envolvidos ficarão resguardados, em especial a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da proposta apresentada ao dono da obra. E essa realidade não é de difícil compreensão, pois para sanar qualquer irregularidade no cumprimento do contrato, os argumentos técnicos deverão estar juridicamente fundamentados .
Não raras vezes, o empreiteiro se depara com situações em que teria direito de reivindicar o restabelecimento do equilíbrio contratual, para manter o seu lucro, mas não pode exercer qualquer pleito, pois está desamparado de documentos e de fundamentos jurídicos capazes de resguardar seu direito ao lucro. Por outro lado, muitas vezes o dono da obra é surpreendido por reivindicações que põem em cheque a lucratividade do empreendimento e, por falta de uma boa gestão de contratos e de assessoria jurídica especializada acaba acolhendo pleitos desnecessários ou, pior ainda, não acolhe pleitos justos e a questão acaba infelizmente sendo judicializada.
Por isso, a atuação preventiva é de fundamental importância para o sucesso de qualquer obra de construção pesada. Essa atuação jurídica preventiva pode ser caracterizada por providências que vão desde uma eficiente redação do contrato, passando pelo acompanhamento jurídico minucioso de cada uma das etapas de sua execução, com indicação quase que imediata da postura a ser adotada frente a determinada situação do dia-a-adia da obra.
A gestão jurídica dos contratos é uma ferramenta eficaz tanto para o dono da obra como para a empreiteira. Para o contratante, o apoio jurídico servirá para bem encaminhar discussões administrativas ou judiciais que visam o pagamento de valores adicionais. Para a empreiteira, permitirá que, tão logo seja verificado o fato gerador de desequilíbrio ao longo da execução do contrato, tome as providências necessárias, registre adequadamente os fatos, inicie os procedimentos necessários para a revisão, possibilitando que, ao final do empreendimento, o lucro inicialmente esperado permaneça no mesmo patamar, ou seja, para que se mantenha a equação econômico-financeira inicial da contratação.
Não se trata de sobrepor gestão contratual ao jurídico, ou vice-versa. Pelo contrário, a gestão de contratos e o jurídico devem caminhar juntos, lado a lado, no dia-a-dia do empreendimento. Somente assim a consultoria jurídica contratual poderá expressar toda a sua potencialidade: conhecendo e acompanhando os fatos, os contratos e as normas jurídicas a ele incidentes.
Como resolver os conflitos?
Por outro lado, para as empresas que já foram obrigadas a suportar resultados negativos na execução de contratos de empreitada por não terem atentado para o gerenciamento jurídico do contrato , normalmente há alternativas para reaver as perdas.
Como ensinam Verônica Pedrosa e João da Rocha Lima Jr. , “a reivindicação visa restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro pactuado entre as partes na assinatura do contrato que se vê rompido ao longo do desenvolvimento da obra”. Com tal objetivo, o claim pode ser promovido na via administrativa também chamada amigável, em arbitragem ou judicialmente, hipótese em que não se obteve sucesso nas negociações diretas entre contratante e contratada.
Também vem ganhando espaço a utilização dos Dispute Boards (DB), que atuam como mecanismo alternativo de solução de conflitos. Na prática, o DB, também chamado em bom português de CRD (Comitê de Resolução de Disputas) trata-se de um comitê formado por especialistas indicados pelas partes para analisar demandas pontuais e evitar o acúmulo de litigiosidade no transcorrer da execução do contrato.
De acordo com o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), há basicamente dois tipos de dispute boards: DRB e o DAB. O dispute review board (DRB), mais comum no Brasil, analisa os pelitos e emite sugestões para as partes, sem caráter obrigatório ou vinculativo. Já o dispute adjudication board (DAB) analisa o caso e emite uma decisão que vincula as partes contratantes, tornando-se obrigatória e somente pode ser revista por meio de ação judicial.
Por fim, há, ainda de maneira incipiente a adoção de mecanismos de solução não adversarial de disputas contratuais. Seriam, em linhas gerais, soluções construídas conjuntamente pelas partes para resolver as disputas de modo colaborativo e sem a necessidade de uma decisão externa fixada por um juiz ou árbitro. A mediação é a principal solução de disputas por meio não adversarial.
Qual a melhor solução?
A melhor forma de conduzir as reivindicações, especialmente em tempos de corona vírus, é sempre a negociação (não adversarial) entre os contratantes, de preferência seguindo as orientações do dispute board (quando houver previsão contratual). Caso isso não seja possível, a medição pode ser um meio interessante, desde que as partes estejam engajadas em encontrar uma solução cooperativa. Em casos de maior litigiosidade, a arbitragem e a judicialização podem ser as únicas formas de resolução do pleito.
Cada caso possui sua complexidade própria e deve ser examinado com atenção em todos os seus aspectos. Daí a necessidade de assessoramento jurídico especializado. Via de regra, o sucesso de um pleito ou a sua defesa está diretamente vinculado à existência de um bom registro das evidências para comprovar os fatos, bem como a existência de uma matriz de causalidade entre os fatos e as perdas alegadas. Tudo isso, é claro, deve ser analisado continuamente pela consultoria jurídica, fator decisivo para o sucesso da solução de disputas.
No mais, a análise da legislação, jurisprudência e das cláusulas contratuais servirão de parâmetro para análise de cada situação, sendo certo que é possível ao empreiteiro requerer a devida compensação pelo prejuízo sofrido por circunstâncias alheias à sua vontade, mas controláveis por aquele que o contratou. Por outro lado, a assessoria preventiva é de fundamental importância para o dono da obra, que deve começar desde a fase pré-contratual de redação das cláusulas do contrato, de modo a minimizar os riscos de reivindicações que onerarão sobremaneira o empreendimento.
Para finalizar, lembre-se que muitas vezes o lucro do empreiteiro dependerá diretamente de sua capacidade de receber um calim, e o lucro do dono da obra dependerá diretamente de sua capacidade de se resguardar das mais variadas reivindicações que podem surgir ao longo da execução de obras e serviços de engenharia. Em qualquer cenário, cada parte deve ter em mente que a cooperação em tempos de crise, especialmente agora com a pandemia de corona vírus, geralmente é a melhor opção. E para que as negociações sejam bem sucedidas é necessário estar bem assessorado pelo gestor do contrato e pelo consultor jurídicos, pois eles são os profissionais certos para demonstrar evidências e seus impactos, bem como mensurar riscos e perdas que deverão guiar as negociações. Além disso, a gestão jurídica dos conflitos no contrato de empreitada é indispensável para a correta e justa formalização das negociações com consistência e suporte legal.